Crimes cibernéticos e o Marco Civil da Internet

Era esperado que um instrumento criado para praticar espionagem, enviando e recebendo informações sigilosas no auge da Guerra Fria travada entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, na década de 1960, um dia se tornaria o palco ideal para o cometimento de crimes cibernéticos.

É certo que a atual legislação está preparada para tipificar, proibir e punir todos esses atos ilícitos, porém, é salutar esclarecer que os instrumentos, métodos investigatórios e “material humano” se mostram insuficientes diante da velocidade com que a tecnologia e, consequentemente, os “modus operandi” utilizados pelos criminosos evoluem.

É oportuno afirmar que essa modalidade de crimes está se tornando mais comum em função da velocidade com que a internet vem se transformando em um instrumento essencial para a manutenção do atual mundo globalizado, onde pessoas e empresas públicas e privadas movimentam grandes quantidades de dinheiro, hospedam informações, sigilosas ou não e realizam suas atividades comerciais.

Este cenário criou um ambiente propício para que pessoas altamente qualificadas para o uso da tecnologia se aproveitem da fragilidade computacional, “boa-fé” e ingenuidade das vítimas para praticarem crimes cibernéticos, sem uso de agressão ou grave ameaça.

Entretanto, a partir de 23 de abril de 2014, o Ordenamento Jurídico brasileiro passou a contar com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), fazendo com que o Estado passasse a contar com um instrumento “teoricamente eficaz” para o enfrentamento dessa modalidade específica de crime.

Esta lei estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres relacionados ao uso da internet no Brasil, definindo regras de condutas que deverão ser seguidas pelos usuários e provedores de acesso à internet. Garantindo, assim, que os usuários que utilizam esta tecnologia em seu cotidiano, resguardem a sua liberdade de expressão e privacidade, incentivando o uso dessa tecnologia como um meio de inclusão digital.

Neste sentido, o Marco Civil da Internet determinou a prática da neutralidade da rede, obrigando os responsáveis pelos provedores de internet a realizarem o tratamento dos pacotes de dados de forma igualitária, sem praticar qualquer tipo de distinção de conteúdo, origem e finalidade, além de definir regras para a disponibilização de informações de acessos de usuários (logs) com o objetivo de serem utilizadas em possíveis investigações criminais.

Entretanto, é público e notório que as políticas de segurança pública adotadas pelo Estado não vêm se mostrando eficazes para reduzir o volume destas práticas criminosas, não conseguindo intimidar os infratores e, nem tampouco, sendo suficientes para conscientizar a população à aptidão digital, tornando-a “vítimas menos fáceis”.

Em 15 anos de funcionamento e monitoramento, a Central Nacional de Denúncia de Crimes Cibernéticos divulgou o alarmante número de 4.291.500 denúncias anônimas retratando apenas a quantidade de ocorrências que foram informadas em seus canais de atendimento até o dia 31/12/2020, sendo a Pornografia Infantil responsável por 41% dessas ocorrências, seguida pela Apologia e Incitação a Crimes Contra a Vida com 17% e o Racismo com 14%, entre outros.

Ante ao exposto, é salutar dizer que o transgressor vem levando vantagem sobre o Estado, pois o material humano que está envolvido em todo o processo investigatório ainda é deficitário e menos preparado para combater e punir essa prática criminosa, transformando a internet em uma verdadeira “terra sem lei, onde, para o infrator, o crime compensa”.

 

Ronny Wdson possui formação jurídica e contábil, sendo especialista em Tecnologia, Segurança da Informação, Direito Previdenciário e Compliance. Atualmente é membro integrante da empresa MAISPREVI Assessoria e Consultoria, atuando na área de desenvolvimento de sistemas sob medida para órgãos públicos e na implantação dos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais-LGPD. E-mail: ronnywdson@gmail.com